segunda-feira, 23 de abril de 2012

trabalho


 


Gesto e a Palavra I
“Os Utilizadores de Língua Gestual e a Comunidade Surda” (Pág.83 a 108)
Markku Jokien


Docente: Luísa Carvalho
Discentes: Colleen Freitas, Joana Rodrigues e Sofia Ferreira



23 De Abril de 2012




Introdução

Nos últimos anos foram debatidos os conceitos de Falantes Nativos de Língua Gestual e utilizadores de Língua Gestual nas comunidades Surdas dos países nórdicos e EU.
Antes deste trabalho sobre os conceitos referidos anteriormente, foi dado a conhecer às autoridades a importância das Línguas Gestuais e de como são importantes para a comunicação dos surdos e dos seus direitos humanos, tendo o Parlamento Europeu solicitado os Estados Membros para que reconhecessem as Línguas Gestuais como oficiais nos seus países. Até hoje só a Finlândia e Portugal tem reconhecidas as línguas gestuais nas suas constituições.
Ao longo deste capítulo serão abordadas algumas questões importantes como, comunidade surda, falantes nativos de língua gestual, utilizadores da língua gestual, diferentes perspetivas sobre a utilização da língua gestual, identidades do falante de língua gestual, surdez e utilização da língua gestual.
É através da língua que se adquire toda uma cultura e o ser humano estrutura e interpreta o mundo e a sua relação com o lugar que ocupa.
Ir-se-á verificar que os falantes nativos de língua gestual, constituem um grupo muito heterogéneo, com muitos subgrupos, podendo serem encontrados a nível local e internacional. As suas identificações são fortalecidas através do desenvolvimento da tecnologia e da informação.
 A identificação da pessoa surda também é considerada como uma identificação social e pessoal. A comunidade surda é representada por organizações oficiais e não oficiais. O direito humano da comunidade surda ganha força a cada dia que passa, através da sua língua.
Um estudo psicossocial a um grupo de surdos Finlandeses, concluiu que este grupo tem utilizado a língua para se caracterizar e melhorar o seu estatuto. Para além da língua, utilizam definições, termos e expressões para manifestar as suas necessidades, bem como a vontade de se tornarem um grupo idêntico a outros.

“A comunidade surda “

Na Finlândia durante uma parte do séc. XX, a comunidade surda era encarada como não tendo cultura, em substituição a este termo, entre eles, usavam a expressão Surdo-Próprio-Mundo ou Mundo-Surdo-Próprio, que traduzida significa mundo dos surdos, (na ASL – American Sign Language, têm um conceito semelhante, Mundo-Surdo). O sentido destes termos usados pelos surdos deste país, trata um todo/uma entidade, não só constituída pela língua mas também por tudo que envolve esta comunidade, organizações, tradições próprias, etc. O facto de usarem a expressão acima mencionada deve-se a este povo querer se distinguir de um outro mundo, o dos ouvintes; também usavam outro termo em complemento ao acima mencionado, Próprio Modo HYY, (movimento da boca), significando “característico para nós” ou “tal como nós”, o uso destes termos entre eles era para mostrarem que têm hábitos e costumes, deles mesmos, do grupo.
Durante todo este período, esta comunidade quis mostrar de como a identidade deles era forte e determinada. Surge então no séc. XIX, vários clubes criados por estes, em 1946 a primeira escola de surdos, desde logo diziam “ O clube de surdos é como uma segunda casa”, era aqui que eles se sentiam únicos e próprios, podendo usar livremente a sua língua, a Língua Gestual Finlandesa; pois nas escolas a língua gestual era proibida, assim como os surdos foram proibidos de casar entre si, (1900-1970).
Uma outra expressão usada pelos surdos era a que designava os ouvintes, Ouvinte-Próprio-Mundo, pois estes tinham igualmente as seus costumes e que também formavam uma comunidade, forte e unificada. Pouco tempo depois alguns surdos e investigadores estudaram o conceito de Cultura, aplicando-o ao termo Mundo Surdo, assim gerou-se o interesse de estudar esta comunidade, criando-se assim, organizações sociais para servir esta comunidade e serviços de interpretação para a comunicação com o outro mundo, nesta época quando usavam a expressão Mundo Surdo referiam-se à Comunidade Surda, mas ainda não usada por toda esta comunidade de surdos finlandeses. Durante a década de 80 do séc. XX, este termo chegou ao nosso país através de uma formação chamada de Consciência Surda.
Nos EUA, segundo Baker and Cokely 1980: “ (…) a Comunidade Surda é constituída por membros surdos e com dificuldades auditivas que possuem uma língua, experiências e valores comuns e uma forma de interagirem entre si e com as pessoas ouvintes”.
De início sé se considerava os surdos profundos e parciais pertencentes à comunidade surda, pois trocavam experiências idênticas e usavam a língua gestual, uns anos mais tarde, também consideraram que pessoas que estivessem ligadas a esta comunidade activamente e partilhassem os mesmos pontos de vista também fariam parte dela.
Então, segundo o esquema apresentado (pág. 89, fig.1), sendo o maior grupo, 90% a 95% os surdos profundos e parciais que utilizam a língua gestual e têm pais ouvintes, que a língua gestual é a sua segunda língua ou que não a utilizam; o grupo minoritário, 5% a 10% é aquele em que há surdos filhos de pais surdos, sendo considerados o núcleo da comunidade surda em termos linguísticos, culturais e sociais, sendo os restantes elementos da comunidade as pessoas que trabalham com estes nativos de língua gestual, os pais ouvintes que têm filhos surdos, ou aqueles que têm interesse na língua e na comunidade em causa.
Os clubes existentes na Finlândia fazem parte das associações que trabalham a nível nacional.
Este estudo feito na Finlândia também faz referência à Espanha, pois aqui há três níveis: existem os clubes locais, as associações regionais e uma federação nacional para 1milhão de surdos, fazendo parte da União Europeia dos Surdos desde 1995, e também são uma das 123 associações filiadas na Federação Mundial de Surdos, estas situações são desconhecidas na comunidade ouvintes, também a nível desportivo fazem parte de algumas organizações mundiais, fazendo com que a língua gestual internacional não ponha barreiras entre os vários surdos de diferentes países e troquem as várias experiencias.
Existem cerca de 70milhoes de Surdos no Mundo, comunidade internacional maior que a população de muitos países. Este facto da troca de vivências entre os surdos de todos os países, faz com que se tornem mais fortes e mostrem os seus objetivos ao Mundo, que lutem para uma vida melhor e conquistem as suas metas, reforçando a identidade de cada surdo no mundo.
É preciso que haja respeito pela escolha de pertença a um determinado grupo, havendo ouvintes que dominam tão bem a língua gestual quanto um surdo, havendo por vezes dificuldades em saber se é ouvinte ou surdo, pois a atividade politica na comunidade surda não implica que sejam só surdos, se estes forem politicamente ativos são aceites, mesmo não sabendo a língua gestual.


“Diferentes perspetivas sobre a utilização da língua gestual”

Ao falarmos acerca das designações ligadas a um certo grupo, temos de ter em conta o ponto de vista ético, temos de ter atenção às opiniões dos membros do grupo, respeitando as designações que utilizam entre si, grupos, aquilo que estimam e valorizam.
No entanto, a maioria das pessoas não tem isto em conta, insistindo no termo ”surdo-mudo”, desconhecendo mesmo o termo falantes nativos da língua gestual. Grande parte das pessoas acha que surdo-mudo não é um termo insultuoso ou negativo, porém este, é antiquado e insultuoso, do ponto de vista dos falantes nativos da língua gestual, outro termo que acham adequado é “pessoa com deficiência auditiva”, equiparando, por vezes, ao termo surdo.
Contudo, “o termo surdo é considerado como mais adequado, mais próximo e afetuoso visto referir-se à comunidade surda e à sua cultura, do ponto de vista dos falantes nativos da língua gestual”.
Do ponto de vista legal a Língua Gestual Finlandesa tem estatuto condicional, garantindo-se desde 1995 os direitos dos falantes nativos da língua gestual, existindo em Portugal, África do Sul e Uganda um estatuto semelhante e de acordo com a nossa constituição, trata-se da Língua Gestual e não da Língua dos Surdos. Assim sendo, toda a discussão em volta do termo Utilizador da Língua Gestual e Falantes Nativo da Língua Gestual surgiu do estatuto constitucional e do significado da expressão. A utilização do termo falante nativo da língua gestual tem-se intensificado e tem sido utilizado pelas pessoas em diferentes contextos.
Quanto ao ponto de vista sociocultural é importante referir que a língua gestual não é apenas a língua mãe das crianças surdas, mas também de crianças ouvintes, pois a aquisição, domínio e a identidade desta língua não dependem do nível de audição e capacidade auditiva, mas sim do grau de língua gestual em que a criança está rodeada. A cultura surda Finlandesa, é uma longa tradição inseparável da língua gestual Finlandesa, através desta temos a grande oportunidade de obter e aprender o saber acumulado que foi transmitido ao longo de muitas gerações, realizando a pessoa surda, com a língua gestual temos acesso à história sobre o modo como viviam os surdos no século XX, vivenciaram as guerras e falavam com os ouvintes, o modo como inventaram ”campainhas de porta” e despertadores visuais; como frequentam escolas distantes das suas casas e viviam longos períodos em colégios internos; como viviam com a sociedade, opressão e vergonha da sua língua; a forma como a Língua Gestual Finlandesa se libertou e rivalizou; a força com que lutam pela sua língua. É através destas histórias que constroem a identidade enquanto falantes nativos da língua gestual.
Na Finlândia, para além de surdos, são muitas as pessoas que utilizam a Língua Gestual Finlandesa, averiguou-se cerca de 14 000 utilizadores de língua gestual, na prática os falantes nativos da língua gestual também são bilingues. Atualmente, na educação das crianças finlandesas, o multiculturalismo e o multilinguismo tornaram-se competências essenciais devido à rápida transformação do mundo.
No ponto de vista linguístico, todas as línguas gestuais são naturais a par das outras línguas, porém as línguas gestuais continuam a ser esquecidas no inventário das línguas. Esta língua é o “cimento” que alicerça os falantes nativos desta língua na comunidade, sendo que também desempenham um papel importante no crescimento e desenvolvimento individual, na construção de uma equilibrada personalidade.
A língua suporta em si a cultura, revelando-se através do conteúdo linguístico, enriquecida de símbolos culturais, as suas raízes apoiam-se na cultura que a alimenta. Os componentes da identidade social são a língua e a cultura. O individuo absorve em si a língua e esta passa a ser a sua pele, através da qual respira. Ao destruirmos a língua, destruímos a estrutura cultural e com ela a do individuo que nela se sustenta.
Concluindo, as provas e factos acerca da língua gestual, enquanto língua natural, por si só, não é o suficiente, pois as línguas gestuais continuam a sofrer de opressão no mundo inteiro. Os falantes nativos da língua gestual presenciam quotidianamente ao genocídio linguístico. Apenas uma pequena percentagem destes, em todo o mundo, recebe a sua educação em língua gestual.


 “Identidades do falante de língua gestual”

A língua desempenha um papel muito importante na definição da identidade cultural de cada pessoa, representa também a sua identidade social. Surdo e falante nativo da língua gestual são designações que incluem a língua gestual e a sua utilização como modo integrante do modo de vida do individuo. Segundo a comunidade surda Surdo é a pessoa com quem eles se identificam e vice-versa. Os sinais de identidade consistem na utilização da língua gestual, no conhecimento da comunidade surda e na utilização do espaço visuo-motor como meio de processamento de informação e interação entre as pessoas. O termo mais recente, falante nativo da língua gestual, coloca a tónica na língua e na sua utilização. Esta expressão remete-nos com maior definição para a identidade linguística.
O desenvolvimento/exercício da língua contribui para a caracterização do individuo: “língua gestual-surdo profundo, língua falada-surdo parcial”. Porém, sempre houve a existência de surdos profundos que não utilizavam a língua gestual e surdos parciais que o faziam.
O falantes nativos da língua gestual vivem sempre entre duas culturas, quanto mais profunda for a aquisição de ambas as línguas e culturas, mais preparadas estão a adaptar-se a elas permitindo-lhes utilizar eficientemente diversos tipos de ferramentas, códigos de conduta, símbolos culturais e seus significados. O falante nativo da língua gestual tem o mesmo tipo de experiências que os membros de outras minorias linguísticas e culturais. Muitos destes falantes “continuam a lutar contra todo o tipo de injustiças e a favor dos direitos humanos, assumindo-se como “combatentes pela liberdade””.

Ponto de vista étnico
A endogamia é muito comum entre os surdos. A surdez em si pode ser considerada como uma marca biológica (como a cor da pele nos negros), mas a utilização e a identificação com a língua gestual pode ser mais forte que a própria surdez. Na Finlândia o reconhecimento da língua gestual ajudou a comunidade surda a interagir com os ouvintes.
Os pais, bem como as pessoas mais chegadas das crianças, desempenham um papel fundamental no desenvolvimento da identidade individual e na criação da mesma para estas (crianças), sendo também importante o contacto com outras pessoas.
É através de conceitos e critérios que se reconhecem e distinguem grupos étnicos, o contributo destes grupos é decisivo, dando-lhes acesso a mecanismos que visam a proteção dos seus próprios direitos.


“Identificação com a deficiência?”

Tem-se verificado uma grande cooperação entre as pessoas com deficiência e pessoas surdas, pois estas ao longo da sua vida têm-se deparado com algumas dificuldades e entraves. Algumas destas dificuldades prendem-se como por exemplo o acesso à informação e à comunicação.
Existe algo que é bem latente na comunidade surda: os surdos não se sentem deficientes, pois enquanto possuírem uma língua rica, cultura e os meios de resolver outros problemas (exemplo sistema para falar ao telefone), sentir-se-ão realizados e completos enquanto cidadãos com os seus direitos plenos, no entanto, se a sociedade não respeitar e aceitar a sua cultura, a sua língua, a sua forma de estar, ser pressionado para reabilitação contínua (desde que nasce até morrer), então, sentir-se-ão como deficientes. 

A surdez e a utilização da língua gestual”

Existem estudos que comprovam que a utilização da língua gestual aumenta as competências espaço-visuais das pessoas ouvintes, comparativamente com as pessoas ouvintes que não utilizam a língua gestual.
De acordo com a afirmação anterior, pode-se verificar que a utilização da língua gestual é uma cultura visual, e não uma cultura de pessoas deficientes assente na perda de audição. Será importante relembrar que na fase inicial do desenvolvimento da criança, esta utiliza quase exclusivamente a visual-gestual e depois continua a apoiar-se neste tipo de comunicação após a transição para o canal oral-auditivo.
As crianças surdas não se sentem tristes pelo fato de o serem, são crianças felizes e satisfeitas consigo próprias, a menos que a sociedade envolvente as faça sentirem-se tristes e as façam sentir-se como diferentes. Note-se que a surdez apenas é uma das inúmeras caraterísticas humanas que podem transportar um conteúdo cultural, tendo por base uma língua.

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